27/12/2019
Conheça o delegado do Paraná que colocou a causa animal nas manchetes de todo o País

Nas últimas semanas, uma ação policial nascida a partir de investigações iniciadas no Paraná ganhou as manchetes em todo o País. Entretanto, nada de Lava Jato ou escandâlos políticos. A pauta era a descoberta de uma quadrilha internacional de rinha de cães da raça pitbull, numa ação inédita que mobilizou cerca de 100 policiais e 40 viaturas no município de Mairiporã, no interior de São Paulo, no dia 14 de dezembro (um sábado).

Tudo começou em Curitiba quatro meses antes, a partir da denúncia que uma mulher fez ao delegado Matheus Araújo Laiola, que na última segunda-feira (21) recebeu a equipe do Bem Paraná na nova sede da Delegacia de Proteção ao Meio Ambiente (DPMA), inaugurada há cerca de um mês dentro do Parque da Barreirinha.

Antes mesmo do evento em Mairiporã, contudo, Laiola já vinha chamando a atenção com seu trabalho a frente da DPMA. Em agosto, por exemplo, mais de 60 cães em situação de maus tratos foram resgatados da maior rede de pet shop do estado. Já na última segunda, um falso veterinário de Paranaguá, no litoral paranaense, foi preso instantes antes de realizar um procedimento para cortar orelhas de pitbulls.

Aos 37 anos, o policial acumula experiência em diversas áreas dentro da Polícia Civil. Já foi delegado em Varginha (MG) e diversos municípios do interior paranaense. Desde 2012 na Capital, atuou na Delegacia de Furtos e Roubos e no Centro de Operações Policiais Especiais (Cope). Até que acabou parando quase que por acaso na DPMA. “Estava meio estressado, pensei em pegar uma delegacia mais tranquila para dar uma descansada uma desacelerada. Mas hoje eu trabalho muito mais. Eu assumi dia 21 de janeiro e desde lá bastante coisa foi feita”, comenta o delegado.

O caminho, porém, foi longo. Nascido em Cândido Mota, uma pequena cidade no interior paulista, ele foi estudar Direito em Marília, município distante cerca de 150 quilômetros de sua cidade natal. Como os pais não tinham condição de pagar uma moradia para o filho, o jeito era todo dia encarar de ônibus uma viagem de 150 quilômetros.

“Eu ia estudando, voltava estudando. Sabia que como meu pai não tinha condições financeiras, eu teria de crescer estudando”, conta o delegado, que desde quando ingressou no Direito já sabia o que queria – embora não imaginasse para onde iria. “Quando entrei na faculdade, eu já estava quase decidido em ser delegado. Meu irmão delegado, meu tio delegado... Então uma família de policial, aí ficou mais fácil, porque saí da faculdade já adiantado nos estudos”.

Na entrevista que concedeu com exclusividade ao Bem Paraná – e que você confere aqui na íntegra -, o delegaco contou mais detalhes sobre sua trajetória, as experiências que teve como delegado e ainda trouxe mais informações sobre o caso de Mairiporã, que chocou o Brasil. Confira.

 

 

 

BEM PARANÁ: Como tem sido a repercussão do trabalho que realizaram em Mairiporã, com a descoberta de uma quadrilha de rinha internacional?
MATHEUS ARAÚJO LAIOLA: O que eu costumo falar: prender ladrão todo mundo prende. Prender homicida, traficante... Você pode sair na rua aqui, pegar um cara, capturar e chamar a polícia. Mas fazer o que a gente faz poucas pessoas fazem, porque a gente trabalha com resgate de animal, e isso aí comove muita gente. Então uma matéria dessas dá uma repercussão muito maior do que um homicídio elucidado. Por quê? Porque é diferente. A população já está saturada da violência do humano contra o ser humano, já esta descrente. Banalizou. É diferente do que a gente tem feito aqui. Aqui a gente mostra, hoje em dia qualquer um tem um celular, a gente mostra o que acontece em tempo real, o cachorro agonizando, depois sendo tratado e sendo adotado, e isso a população adora. Se a gente pegar, o Paraná é o estado que mais tem animal pet por domicílio do país, proporcionalmente. 70% dos domicílios tem algum pet. Então a gente percebe que a comoção é imensa, e principalmente depois desse trabalho nosso de Mairiporã. Eu converso com delegados que estão há 30 anos (na polícia) e eles falam que não lembram de um caso com uma repercussão igual a essa. Só de famosos, tivemos comtnado a nossa operação gente como a Luísa Mell, o deputado Bruno Lima, a Xuxa, a Ísis Valverde, a Paolla Oliveira, a Angélica, o Neymar Jr....

BEM PARANÁ: E isso impactou também nas suas redes sociais também, né?
LAIOLA: Sim, sim. Eu tinha 15 mil seguidores. Antes, em julho, junho, tinha um perfil privativo com umas 500 pessoas. Aí eu abri o perfil e comecei a fazer o serviço daqui, a colocar as coisas que fazemos aqui. Aí até a operação tinha 15 mil seguidores. Hoje tem 45 mil. Teve um dia que eu ganhei 8 mil seguidores. Em um dia e sem comprar nada, tudo por causa da repercussão. E o pessoal manda muita mensagem, eu não dou conta de responder tudo. Agora que entro de férias, vou ficar uma semana de folga e vou começar a tentar responder pessoa por pessoa. Antes eu respondia os comentários, tinha 50, 100 comentários. Hoje tem mil comentários, então não tem como. O Facebook eu fiz em agosto. Nos últimos 28 dias alcançou 3 milhões de pessoas. É muita coisa, um negócio assombroso. E sem gastar um real. Estou até assustado com essa repercussão, mas é bacana que a população começa a se conscientizar um pouco mais. A lei é branda, mas a gente faz o nosso papel.

BEM PARANÁ: E como você vê a repercussão desse trabalho que vocês fazem na delegacia no âmbito legislativo, com a Câmara dos Deputados aprovando projeto de lei que aumenta a pena por maus tratos a cães e gatos?
LAIOLA: Hoje a pena é de um ano. Hoje, se eu pegar uma pessoa maltratando animal, ela é conduzida para delegacia, assina termo de compromisso a comparecer no fórum e eu sou obrigado a liberar sem fiança. Com o projeto de lei passaria para três anos (a pena de reclusão), e aí é interessante porque eu posso arbitrar fiança e, enquanto ele não pagar, não é solto. Então é bem interessante isso, tem de aumentar. Mas isso daí começou a impulsionar por causa do nosso trabalho em Mairipoirã. Até então estava em stand by há anos e anos, e aí conseguimos dar esse up. Teve manifestações em São Paulo, em Brasília, Belo Horizonte, Fortaleza... Está todo mundo comentando, virou o assunto do momento. Até porque, parafraseando o Lula, nunca na historia desse país tinha ocorrido uma operapão desse tamanho. E foi uma responsabiolidade muito grande, porque a gente saiu daqui com praticamente 10 policiais, fomos até São Paulo, encontramos o carro onde o rapaz, onde a dupla (de suspeitos) deixou, mas a gente não sabia o que tinha ali dentro. E aí fui na delegacia de São Paulo, eles deram apoio. Quando cheguei para a ocorrência tinha 90 policiais com 40 viaturas. E aí veio aquele frio na barriga: "E se der errado?" Um sábado de noite, pessoal querendo descansar, então era uma responsabilidade muito grande.

BEM PARANÁ: Vocês tinham gente infiltrada na rinha, sabiam o que estava acontecendo lá dentro antes de entrarem?
LAIOLA: Não, não. A gente tinha 99% de certeza que estava acontecendo uma rinha lá, mas a gente não tinha certeza. Podia chegar lá e ser um aniversário. E aí? A gente com 10 (policiais) nossos daqui, 90 deles lá. Que cara eu ia ficar? Então eu fui na delegacia na sexta e sábado, quando começou a chegar na hora que a gente organizou para entrar, já comecei a ficar ansioso. No saguão do hotel os policiais tudo conversando e eu quieto. Os policiais vieram: "Doutor, o que está acontecendo?" Eu falei "Cara, estou nervoso né". Por que vai que dá errado? Não estava com medo de chegar lá e trombar com vagabundo, mas de chegar lá e não ter nada...

BEM PARANÁ: As informações que vocês tinham eram concisas, coerentes?
LAIOLA: Eram. Tudo o que a denunciante nos passou estava batendo. Ela falou que seria numa grande cidade do estado de São Paulo, só que não sabia o horário que ia ser nem onde. E aí a gente monitorou visualmente esse carro (da dupla de suspeitos) e ele parou ali na zona rural de Mairiporã e a gente escutando um monte de barulho de cachorro. Tinha tudo para ser, mas podia chegar lá e ser só meia dúzia de cachorro.

BEM PARANÁ: Quanto tempo levaram as investigações?
LAIOLA: Foram quatro meses. Mas sexta-feira saímos atrás dos carros deles, monitorando, e aí foi o tempo de chegar em São Paulo. Bateu o desespero porque a Polícia Rodoviária parou o carro deles. A gente falou “só falta ser preso com arma e acabou o serviço”. Mas foram liberados, e eles estavam com o cachorro no porta-malas, que conseguimos resgastar depois. Então deu tudo certo. Aí chegando na delegacia, lotado de gente. Já pensou se dá errado isso? E aí o briefing, a reunião, a gente falando tudo, e eu tenso, muito tenso mesmo. Se der errado, vão vir todo mundo pra cima de mim. E quando saímos correndo e chegamos em direção ao local, eu vi que era rinha, deu aquela revolta, super revolta, mas ao mesmo tempo fiquei aliviado, porque o esforço não foi em vão.

BEM PARANÁ: E qual foi a reação dos colegas, dos outros policiais, quando viram o que acontecia lá dentro?
LAIOLA: Ah, revolta muito grande, uma revolta muito grande. Era difícil o policial que continha o choro, porque, p*, você vê o cachorro agonizando ali, cahorro morto, cachorro sendo assado... Não tem cabimento. E eles partiram para cima da gente, porque estavam alcoolizados, drogados, coisa assim,. Então teve de fazer auto de resistência. Mas foi uma comoção muito grande. Depois com todo mundo algemado, tudo que a gente foi ver, os cachorros como estavam... P*, fica muito revoltado. Não teve quem não se emocionasse ali.

BEM PARANÁ: Você, inclusive, gosta bastante de cachorro, não? Pelas fotos em suas redes sociais...
LAIOLA: Gosto, gosto. Eu sempre tive cachorro, adquiri um há uns dois anos e vou pegar ano que vem uma pequinha (vira-lata) vítima de maus tratos para cuidar. Só não pego agora porque vou viajar, mas ano que vem vou pegar um para ser irmãozinho do meu. Mas a revolta foi geral. Tinha médico veterinário que não acreditava naquilo lá. Tinha um cômodo que era só para cuidar dos animais. Tinha um veterinário e um médico lá. Então assim, é inacreditável, não sai da minha cabeça.

BEM PARANÁ: E quando e como identificaram que tinha um pessoal assando e comendo carne de cachorro lá?
LAIOLA: Tinha churrasco normal lá, eu nem imaginava que era carne de cachorro. Mas tinhas duas veterinárias acompanhando, da equipe do deputado Bruno Lima. Elas me chamaram e falaram: "Doutor, aquilo ali é carne de cachorro". Eu não acreditei, falei "pare, doutora. Não é, não". Daí elas mostraram o rabo dos cachorros, garfo, faca, prato ali. Daí chamei os caras, disseram que estavam experimentando e tal. Eu perguntei “Vocês estão loucos?” Tinha cachorro morto num saco no fundo, triste, triste de ver.

BEM PARANÁ: Era a 21ª edição da Rinha? Haviam muitos estrangeiros participando do evento?
LAIOLA: Era a 21ª edição. Ano passado foi na República Dominicana, então teve outras 20. O juiz era um americano, tinha mexicano, gente da República Dominicana... Era um UFC mesmo. Quando a mulher (denunciante) veio aqui me contar, eu não acreditei. Ela passou quem seriam as pessoas, fomos atrás, levantamos nome, onde trabalhava, os carros, tudo isso aí. Mas até então a gente não tinha achado nada na internet, nada, nada, nada. Então quando ela veio falar eu não acreditei. Ela disse que tinha no mundo inteiro e eu perguntei como ninguém pegou. Ela disse que ninguém pega porque são pessoas poderosas. Aí chamei um policial, o Cássio, e pedi para ele dar uma atenção, porque vai que é verdade. Isso há uns quatro meses. Aí descobrimos que eles (suspeitos) criavam mesmo os cachorros, que eles treinavam mesmo. Fizemos vídeo do cachorro na esteira e ele (treinador) gritando, parece que na chácara tinha uma piscina já pros cachorros treinarem, então bate. Só que a gente não imaginava que ia chegar lá e ter tudo aquilo.

BEM PARANÁ: Tem noção do quanto um evento como esse de Mairiporã movimentavam em dinheiro?
LAIOLA: Não. Como a rinha em si aconteceu lá, ficou tudo a cargo da Polícia Civil de São Paulo. Fiquei sabendo do quanto foi apreendido pela imprensa, porque a gente acabou fazendo a parte boa, de investigação, o trabalho de base. A parte da autuação em flagrante ficou a cargo da Polícia Civil de São Paulo. Mas provavelmente movimente milhões, muito dinheiro. Tem animal ali avaliado em R$ 200 mil, porque quanto mais ganha, mais vale, como se fosse um lutador de UFC. As camisetas que tinham lá eram como se fosse peso leve, peso pesado. E eu imaginava que eram cães imensos de forte, aqueles pitbulls que a gente vê na televisão, todo com anabolizante. Mas não, era cachorro de 15, 16 quilos, extremamente leve. E tem duelo que dura seis horas. Eles pegavam o cachorro, enterravam com só a cabeça para fora por dias e quando soltavam deixava um filhotinho do lado pro cachorro já criar aquele instinto de matar o outro. Tinha way protein para cachorro, anabolizante. Era só dieta mesmo de lutador.

BEM PARANÁ: E como eram os animais com os humanos? Eram dóceis, agressivos?
LAIOLA: Extremamente dóceis. Pode passar a mão neles, colocar a mão na boca deles. Mesmo lá, se vocês olharem os vídeos, os cachorros morrendo, colocava a mão na boca e eles não faziam nada. O rabinho dele balançando e se encolhia de medo, porque deve ter apanhado a vida inteira. Mas se deixar um (cachorro) do lado do outro, eles se matam. Nem a caixinha de transporte podia deixar uma do lado da outra, porque é plástico, eles quebram. Eles (donos dos animais na rinha) jogavam spray de pimenta no olho e na boca deles (cachorros) para deixar eles extremamente raivosos e descontarem no outro animal. E muita fome, muita fome e sede. Fazia dias que os cachorros não comiam.

BEM PARANÁ: E como faz para separar o lado profissional do pessoal, se controlar ao ver uma situação como a da rinha em Mairiporã?
LAIOLA: Cara, é uma revolta muito grande. A gente tem de contar até 10, porque na verdade a vontade que a gente tem mesmo é de partir para cima numa revolta muito grande. Mas não dá para fazer isso porque está errado e a gente perde a razão. Outro caso que foi muito difícil para nós foi o de um cachorro que tinha sido atropelado há seis meses. Veio uma denúncia e vídeo do animal agonizando. A gente achou que tinha achado a residência, mas não tinha certeza. Aí fomos lá, batemos palmas, o proprietário saiu. Ele falou que não tinha cachorro, e um cheiro de carniça, de carne podre. Aí o investigador subiu com o drone, colocou no fundo e vimos um cachorro. Meu Deus do céu... O cachorro havia sido atropelado há seis meses e estava morrendo vivo. Esse dia foi bem complicado para nós, porque tinha acabado de chegar na delegacia, ele (cachorro) estava com a orelha toda comida já e cheirando podre. Fazia seis meses que o dono tinha deixado o cachorro lá e achando que era normal. Não dava nem para perceber que era um cachorro, na verdade, e o cheiro era muito forte. Nesse dia tive de conter policial para não ir pra cima do cara. Depois descobrimos que era um cocker e hoje o cachorro está super bem. Ele ficou surdo, mas foi adotado, está super bem.

BEM PARANÁ: De onde o senhor é, em que município nasceu?
MATHEUS ARAÚJO LAIOLA: Sou de Cândido Mota, uma cidadezinha no interior de São Paulo com 24 mil habitantes que o pessoal chama de Gigante Vermelho porque a terra é vermelha e tem um rodeio lá e tal. E com o tempo diminuiu o número de habitantes dessa cidadezinha. Quando saí tinha 27 mil habitantes e hoje tem 24 mil. Eu fiquei lá até meus 24 anos. Estudava em Marília, fazia faculdade lá, mas meus pais não tinham condição de pagar a república. Então tinha que ir e voltar todo dia de ônibus. Dava 150 quilômetros de distância, uma viagem de umas três, quatro horas. Eu ia estudando, voltava estudando. Sabia que como meu pai não tinha condições financeiras, eu teria de crescer estudando.

BEM PARANÁ: E quando entrou no curso de Direito, já pensava em seguir para a área policial?
LAIOLA: Quando entrei na faculdade, eu já estava quase decidido em ser delegado. Meu irmão delegado, meu tio delegado... Meu tio é o Amadeu (Trevisan), o carequinha do caso do jogador Daniel. Ele é o irmão da minha mãe. Então uma família de policial, aí ficou mais fácil, porique saí da faculdade já adiantado nos estudos. Então era assim, estava tendo aula de Processo Civil, e ficava estudando medicina legal. Já sabia qual era meu foco. Aí passeio em Minas Gerais, fui trabalhar em Varginha, a terra do ET, e depois vim para cá. Fiquei um ano em Toledo, fui para realeza. Eu fui casado com a promotora que investigou o caso (do prefeito Eduardo Gaievicz), agora me separei. Acompanhei, tem inclusive procecedimento meu ali dentro. Depois fui para Castro, de Castro para Foz (do Iguaçu), aí vim para cá (Curitiba) e aqui comecei a rodar. Fui para a Furtos e Roubos, depois Estelionato e Roubo de Cargas, depois Cope. No Cope fizemos algumas operações legais, como a Operação Alexandria, a maior operação policial em quantidade de prisão da história, com 700 e poucos mandados de prisão. Depois fui pro Distrito, fui chefe da Furtos e Roubos e aqui.

BEM PARANÁ: Como surgiu a oportunidade de vir para a Delegacia de Proteção ao Meio Ambiente (DPMA)?
LAIOLA: Aqui eu vim parar meio que por acaso, sabe. Estava meio estressado na Furtos e Roubos, que é muita ocorrência, 120 por dia. Aí quando me falaram da divisão de polícia especializada, eu pensei: "vou pegar uma delegacia bem tranquila para dar uma descansada, uma desacelerada”. Mas hoje eu trabalho muito mais. A hora que a gente chegou não acontecia nada. Tinha dois, três BOs por dia. Antes era 120. Eu falei “não, não dá para ficar assim, não”. Não é do meu perfil nem da equipe que trabalha comigo. Aí começamos a ir atrás (das ocorrências) e hoje a gente trabalha bem mais do que na Furtos e Roubos, porque o efetivo é menor e a demanda é imensa. Se abrir as denúncia via 181, tem dezenas por dia. Antes não tinha quase nada. Eu assumi dia 21 de janeiro e desde lá bastante coisa foi feita.

BEM PARANÁ: Como era a vida, em especial nessas delegacias de interior? É totalmente diferente do que passou a vivenciar aqui na Capital?
MATHEUS LAIOLA: Lá a gente é o delegado, aqui a gente é só mais um delegado. Essa é a diferença. Então assim, lá qualquer coisa que acontece a pessoa toca o telefone pra tua casa ou liga no teu celular, você não tem descanso. Aqui é diferente, a gente passa despercebido. Fiquei quase três anos em Realeza, conhecia praticamente todo mundo, a cidade tem 12 mil habirtantes. Aqui não, aqui é difícil ser reconhecido na rua e isso acaba sendo bom, porque se acontece qualquer tipo de crime que não é minha atribuição, ninguém vai ligar para mim. Então, acaba sendo menos desgastante, porque temos várias especializadas e acabamos tendo um descanso maior, porque lá (no interior) a gente costuma dizer que é 24/7, ou seja, 24 horas por dia, 7 dias por semana. Não tem descanso, não tem outro delegado. Então aqui a gente consegue ter esse descanso porque tem várias outras unidades, né.

BEM PARANÁ: E você atuou em Foz também...
LAIOLA: Fiquei, fiquei na Delegacia do Adolescente lá. E a gente tocou o terror, fizemos um monte de operação legal.

BEM PARANÁ: Lá tiveram operações importantes contra o tráfico de drogas, como a Olhos de Shiva.
LAIOLA: É, Olhos de Shiva foi uma operação bem grande que fizemos lá, porque uma adolescente foi apreendida com um fuzil, e aí começamos a interceptar, viemos em Balneário (Camboriú), um monte de lugar, e apreendemos um monte de droga e arma. Foi bem bacana mesmo. Uma delegacia até então minúscula lá em Foz do Iguaçu, nunca tinha feito o que a gente fez. Aí surgiu a oportunidade de eu vir para cá. Mas foi um período legal ali na Delegacia do Adolescente. Não gostaria de voltar a trabalhar no interior, até porque meus amigos, todo mundo aqui né. Mas foi uma experiênjcia necessária, porque tem gente que fica só na capital, não sabe qual a realidade do interior. Eu fiquei cinco anos no interior, aprendi bastante e cheguei com uma musculatura um pouco maior aqui. Existe uma polícia na capital e uma polícia no interior, que é totalmente diferente. Então é bom que eu tenha essas duas vivências.

BEM PARANÁ: Uma coisa interessante nessas duas experiências nas delegacias do Adolescente e do Meio Ambiente é que nas duas há uma discussão muito forte com relação à impunidade e, com relação aos adolescentes, você chegou até a publicar alguns artigos sobre isso..
LAIOLA: Sim, sim. Comecei a escrever artigos semanais lá. Um colunista bem conceituado e polêmico de lá me convidou. Mas é aquela coisa: a gente prende, aí quando não é a legislação que obriga soltar, o Poder Judiciária que acaba soltando. Hoje, por exermplo, apreendemos um falso médico veterinário, estava prestes a cortar a orelha de um cachorro, já tinha praticado anestesia nele, que estava deitado, grogue. E tem de liberar (o suspeito). Responde por maus tratos e exercício ilegal de profissão, nem fiança eu posso arbitrar. Mas quando a gente fala em legislação branda, beleza, a legislação que é branda. Mas aí vem uma decisão de Mairiporã, crimes gravíssimos, como formação de quadrilha, e quem aplica a lei aplica a lei de maneira errada.

Então as vezes não é só a gente mudar a legislação. Aquele caso lá estava mais do que instruído e crimes gravíssimos, inafiançáveis por parte da polícia. Eles, por mim, dormiam na cadeia. A causa animal é relegada a segundo plano, e isso nacionalmente. Então as pessoas ainda tratam o animal como se fosse objeto. Não tem que tratar como se fosse ser humano, penso que não. Não vamos partir pro radicalismo. Por exemplo, se você matar o anaimal responder por homicídio. Mas também não pode tratar como um mero objeto, ao ponto de chegar e ficar trocando como se fosse um brinquedinho.

Então assim, ainda as pessoas tem essa ideia de que o animal é objeto e por isso que esse trabalho nosso acaba conscientizando mais a população para olhar com outros olhos. Se a gente pegar os indíces de boletim de ocorrência, os indíces aumentaram. Não quer dizer que aumentaram os crimes, mas diminuiu a subnotificação e aumentou a confiança da população na delegacia. Antes não faziam nada porque achavam que não dariam em nada. Hoje já acham que a gente é salvador da pátria. Tem gente que me chama na rede social de São Francisco de Assis, a reencarnação do protetor dos animais. A gente dá risada e tudo, mas não existe hoje no Paraná, e talvez até no Brasil, quem faça o que a gente faz.

BEM PARANÁ: Houve um episódio curioso na sua carreira em 2012, em Castro, quando o senhor estava prestes a deflagrar uma operação e vieram dois indivíduos assaltar o senhor. Como foi isso?
LAIOLA: A gente estava deflagrando uma operação contra crimes eleitorais, era época de eleição. E dois policiais militares estavam na frente da minha casa em uma viatura descaracterizada, de noite, passaram lá para gente fazer os nossos reclames e tudo né. Eu estava entrando no carro vieram duas pessoas na minha direção com uma faca: "Passa a carteira, passa a carteira". Eu pensei "Ah, não é possível, cara". Eu armado ali, dois policiais armados no carro. Eu falei "tá, só vou pegar minha carteira que está aqui no meu pé. Posso pegar aqui?" Tá. Pediram meu relógio, tirei o relógio, e no que fui pegar minha carteira, peguei a arma. Saí correndo atrás de um, aí os policiais pegaram o outro. Eles viraram motivo de chacota na carceiragem e tudo, porque eles não sabiam que eu era o delegado da cidade. Mas tavam tudo bêbado, tinham passagem. E foi cômico, foi cômico. Não estavam com arma de fogo, mas deu uma repercussão muito grande, porque muito azar dos caras. Cidade com 60, 70 mil habitantes, e eles vão assaltar logo o delegado...

BEM PARANÁ: E depois, já em Curitiba, tiveram alguns casos de tentativa de suborno que foram noticiados pela imprensa.
LAIOLA: Ah, teve um monte, um monte. Tem vários ali, na internet tem alguns que eu gravei. Coloco as câmeras num compartimento escondido. Os policiais me avisam que o cara está com um papo meio estranho, querem oferecer dinheiro. Peço para falarem que eu que tenho de conversar com ele, que não basta conversar com investigador. A gente deixa ele falar. Ficam com medo de início, mas falam que precisam ser soltos e tal. Aqui não acontece tanto, mas no Cope, no 7º Distrito... Hoje é cada vez menos, ainda mais aqui, que é uma delegacia muito específica. Nas palestras, coloco aquela imagem do policial bravo, com fuzil, e coloco a do guarda Smith, do Zé Colmeia. Aqui estamos mais para Guarda Smith. Fazemos bastante flora, desmatamento e poluição quase toda semana. Infelizmente nosso time é pequeno, se tivesse um efetivo maior, com certeza conseguiríamos dar uma vazão maior.


BEM PARANÁ: E como é a rotina de trabalho, o perfil das ocorrências que a DPMA atende?
LAIOLA: O mais comum são animais domésticos, 70% das ocorrências. Gato, cachorro, calopsita. Outros 30% são ocorrências envolvendo animais silvestres, como papagaio, curió, azulão. Mas vem umas coisas diferentes: início do ano apreendemos uma cobra de 7 metros, uma coisa extremamente bizarra. Lá em Piraquara, o animal não parava de sair do armário. Já apreendemos dezenas de cobras. Papagaio é o mais contrabandeado, infelizmente. Acham mais fácil pegar de um contrabandista do que fazer tudo legalmente. Mas o mais corriqueiro mesmo é o resgate, principalmente de cachorro. A rotina nossa é chegar de manhã, ler as denúncias, imprimir e sair.

BEM PARANÁ: E agora entrando de férias, quais são os planos? Volta quando? O senhor fica aqui na DPMA?
LAIOLA: Eu quero ficar. Por mim, eu ensaio minha aposentadoria aqui. Eu não quero sair daqui, não. Nunca imaginei atuar na área de meio ambiente, nunca imaginei. Vou pegar oito dias de folga e volto para cá.

BEM PARANÁ: E como se deu a montagem de tua equipe aqui na DPMA? São policiais que trabalham com o senhor há muito tempo?
LAIOLA: As equipes mudam com os delegados. Cheguei em Curitiba em 2012, mais ou menos, aí você começa a conversar com policial, escrivão, e vai montando tua equipe, um time que você acha que é o ideal. Das pessoas que estavam aqui ficaram duas, todos os outros eu trouxe da Furtos e Roubos. É o pessoal que você bate o olho e eles já sabem o que têm de fazer, é bem bacana isso.

BEM PARANÁ: Recentemente a delegacia ganhou uma nova sede. Essa mudança foi uma iniciativa tua mesmo?
LAIOLA: Sim. Eu sempre cuidei muito da imagem da delegacia, porque a gente passa mais tempo aqui do que com a família. Passa mais tempo trabalhando, mais de 8 horas diárias. E em toda delegacia que eu passei, em Castro ficou impecável, Foz do Iguaçu, Realeza, Furtos e Roubos. Furtos e Roubos, quando eu saí, você podia fazer uma cirurgia no corredor de tão impecável que estava, e a Furtos e Roubos sempre foi uma delegacia pesada. Quando eu cheguei na Meio Ambiente, eu lembro que estava chovendo e tinha um balde na minha sala, porque chovia dentro da delegacia. E aí eu descobri que a delegacia era alugada. Alugada há 21 anos, R$ 7 mil por mês o aluguel. Aí chamei o dono e falei que ou ele arrumava o imóvel, que estava um lixo, ou que iria perder o aluguel. Ele falou que não iria arrumar, que o Estado quem estragou, o Estado que arrume. Eu falei: "Cara, você vai perder o aluguel". Ele não acreditou. Aí eu fui atrás do Guilherme Rangel, amigo meu, secretário de Segurança Pública (na Prefeitura de Curitiba), e perguntei se ele não conseguia algo nos parques, algum lugar. Aí a Marilza (Dias), Secretária Municipal do Meio Ambiente, comentou do Parque Municipal da Barreirinha. Vim aqui, era esse imóvel. Eles falaram que cediam de graça, que seria interessante porque o parque estava abandonado, a comunidade não frequentava mais porque tinha medo. E aí inauguramos há cerca de um mês, com um custo bem baixo e deixando de pagar o aluguel de R$ 7 mil por mês. Hoje não tenho conhecimento de uma delegacia de Meio Ambiente desse nível. Não temos luxo, mas é uma delegacia muito bonita, num local muito bonito. O município no primeiro semestre vai tratar os lagos, revitalizar como eles fizeram no Passeio Público. O compromisso é eles arrumarem tudo no primeiro semestre. Estamos num lugar bom e de graça. E para o município é bom, que tinha um parque que ninguém frequentava e aqui sempre vai ter uma luzinha acesa, sempre vai ter um policial à disposição.

BEM PARANÁ: E como imagina o teu futuro dentro da polícia, até tento em vista as diversas delegacias pelas quais já passou, a experiência acumulada?
LAIOLA: Eu não tenho interesse nenhum em sair daqui (da DPMA). Por mim fico aqui por muito tempo. É uma coisa que eu nunca imaginei. Ano passado, nessa época, estava comprando livro de direito ambiental para não chegar aqui tão cru. Eu falei "eu não vou dar conta". Não fazia ideia. Nós aprendemos direito ambiental aonde? Não tinha, a gente não é capacitado na escola de polícia para lidar com isso. E aí com o tempo fomos aprendendo. Hoje eu não penso nem um pouco em sair daqui. Podem me oferecer qualquer outra delegacia. Não falo em cargo de chefia, mas podem oferecer qualquer outra delegacia no estado que eu não aceito, prefiro ficar aqui. Depois de tanta coisa que a gente fez, acho que tenho de aproveitar um pouquinho. Foi um ano de muito trabalho, para essa mudança acontecer foi muito difícil. Eu pretendo usufruir muito disso daqui e quero ficar por um bom tempo. Então não tenho expectativa nenhuma em sair daqui, não quero sair daqui e não quero que me tirem daqui.

BEM PARANÁ: Cogita entrar para a política?
LAIOLA: As pessoas me perguntam se estou fazendo tudo isso para ano que vem sair candidato a vereador por Curitiba. Não tenho intenção nenhuma. Eu sempre trabalhei, só que antes meu trabalho não dava a repercussão que dá hoje. Eu não sou candidato a nada, não sou filiado a nenhum partido político, não tenho envolvimento político com ninguém, não conheço muito os políticos. Tenho amigos políticos, mas não estou fazendo o que estou fazendo para virar vereador por Curitiba ou algo assim, até porque eu acho que consigo fazer muito mais aqui, tenho muito mais prazer em trabalhar aqui do que num gabinete sendo mais um. Acho que consigo dar uma resposta melhor aqui, estou com minha equipe há muitos anos. Então minha intenção é continuar aqui por um bom tempo, tanto que eu morava no Vila Izabel e agora me mudei para uma casa aqui pertinho, no Cachoeira. Lógico que uma hora satura, na Furtos e Roubos eu fiquei por três anos, mas aqui gostaria de ficar por um bom tempo.

Créditos: Bem Paraná - Foto: Franklin de Freitas

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