Este é o tipo de história que, não fosse a rápida e competente intervenção médica, teria um desfecho trágico. O drama começou quando os médicos Rubens Schirr e Márcio Da Ros, do Hospital Regional do Sudoeste, atenderam duas gestantes — Natiele Custódio de Meira, moradora de Verê, e Danúbia Lopes de Souza, de Salto do Lontra — e diagnosticaram que seus bebês eram portadores de anemia fetal, doença que, se não tratada, pode levar a óbito.
Uma possibilidade de tratamento é a transfusão intrauterina, ou seja, com o auxílio de um bom aparelho de ultrassom e de uma equipe multidisciplinar qualificada, é realizada a aplicação sanguínea por meio do cordão umbilical. O problema é que esse procedimento só era realizado em hospital de referência de Curitiba. No entanto, devido à urgência, a equipe médica decidiu fazê-lo com os recursos disponíveis no Hospital Regional, pela primeira vez.
“A transfusão intrauterina é necessária nos casos de anemia fetal. O diagnóstico é feito por meio da cordocentese, que é a retirada de sangue do cordão umbilical do bebê. Esse sangue é levado para o laboratório, que analisa a hemoglobina e o volume hemoglobular para confirmar a anemia. Confirmada, a gente realiza a transfusão de sangue, que é especial, pois [o sangue] precisa ser irradiado e limpado pelo Hemocentro. Calculamos a quantidade necessária e só então realizamos a transfusão”, explica Rubens Schirr, médico ginecologista e obstetra do HRS.
Como surge a doença
O desenvolvimento de anemia em fetos é raro e o acompanhamento médico ao longo da gestação é fundamental para identificar a doença. Uma das causas está ligada ao fator Rh do tipo sanguíneo das gestantes. As pessoas possuem quatro tipos sanguíneos: A, B, O ou AB. Quem possui uma proteína denominada antígeno D no sangue tem fator positivo (Rh+). Mas aproximadamente 15% da população não possui esse antígeno, por isso, têm fator negativo (Rh-).
Nos casos em que a mãe tem fator negativo, mas o bebê tem fator positivo, existe o risco de ocorrer um problema denominado de isoimunização Rh, em outras palavras, o organismo materno produz anticorpos contra o sangue da criança. “Isso leva a uma hemólise, pois ocorre a destruição dos glóbulos vermelhos e leva à anemia. Essa anemia vai se agravando e, quando chega a uma condição mais grave, o bebê não tem condições de reverter e leva a uma insuficiência cardíaca”, complementa doutor Rubens.
Como evitar
Na primeira gestação, o bebê não costuma ser afetado porque os anticorpos apenas surgem no nascimento, quando o sangue do feto entra em contato com o da mãe. Porém, em uma segunda gravidez, os anticorpos do sistema imunológico podem atravessar a placenta e atacar as células do sangue do bebê. Uma possibilidade para prevenção é a vacina Anti-Rh. “É uma vacina que precisa ser feita com 28 semanas de gestação. Depois do nascimento, é analisado se o bebê tem Rh positivo, se tiver, é feita outra vacina e a chance da mãe desenvolver esses anticorpos é praticamente inexistente. Porém, se não for feita, a mãe pode desenvolver os anticorpos e, na gestação seguinte, causar a anemia”, explica o médico.
Possível erro médico
Esse foi o problema das duas sudoestinas que receberam o tratamento. Natiele Custódio de Meira — que realizou a transfusão inédita no dia 14 de maio — e Danúbia Lopes de Souza não tomaram essa vacina na primeira gestação. Segundo elas, a primeira gravidez ocorreu de forma normal; as complicações surgiram na segunda, tendo em vista que ambas têm fator Rh negativo e suas filhas têm fator Rh positivo.
“Não sabia que meu fator Rh poderia causar essa doença, na primeira gestação ninguém falou nada. Fiquei sabendo só aqui [no Hospital Regional] e não sei se tomei [a vacina] ou não. Depois da primeira transfusão, tivemos que fazer mais duas e ela tá bem, tá cada dia mais forte e ganhando peso para poder ir pra casa. Achei muito bacana fazer esse procedimento aqui. Vai ser muito bom para as outras mães que precisarem”, diz Natiele. A filha Natasha nasceu prematura, no último dia 20, poucos dias depois da primeira transfusão.
Danúbia, de 29 anos, também não tinha ideia do risco que o fator sanguíneo representava para a pequena Heloisa. “Pra mim, tava tudo bem, fiquei muito triste quando recebi a notícia. Pode ter sido um erro médico quando tive minha primeira filha. [O procedimento] foi tranquilo, a equipe médica do Hospital Regional me atendeu superbem. Ela vai ter que nascer com 34 semanas. Quando a gente espera um filho, espera que ele venha com saúde. Se eu tivesse tomado a vacina, hoje não estaria aqui. Mas agradeço a Deus e aos médicos, porque deu tudo certo. É muito importante que eles façam o procedimento aqui, agora, mais bebês também poderão ser salvos”, avalia. Mais do que uma aplicação é necessária para recuperar a saúde da criança.
HRS se consolida como referência em gestão de alto risco
De acordo com Cintia Ramos, diretora-geral do Hospital Regional, com a realização de procedimentos como esse, a instituição — gerida pela Funeas (Fundação Estatal de Atenção em Saúde do Estado do Paraná) — se consolida como referência nos atendimentos de alta complexidade.
“São procedimentos como este que nos tornam uma referência para todo o Estado e uma retaguarda para nossas gestantes e nossas crianças. Vamos deixar de encaminhar para grandes centros, porque temos uma grande dificuldade de encaminhamentos. O êxito desses procedimentos nos deixa extremamente satisfeitos”, enfatizou.
Créditos: Lucas Carniel - Jornal de Beltrão