Atualizado em 24/06/2020
Agosto pode ter 5 mil mortes diárias e um total de 2,2 milhões de casos no Brasil, projetam universidades dos EUA

Passados quase quatro meses após o primeiro caso de coronavírus, o Brasil adentra já ultrapassa 1 milhão de casos e mais de 50 mil mortes, uma das mais tristes marcas na história de sua saúde pública.

O país, no entanto, não foi pego desprevenido: assistiu ao drama da China e de países europeus e ainda foi informado por uma série de projeções sobre os possíveis cenários a serem enfrentados e da importância do distanciamento social.

 


No emaranhado de números, gráficos e estudos que buscam antever o futuro do vírus, os brasileiros já depararam com dezenas de previsões que, assim como aquelas feitas para prever a alta do dólar, por exemplo, erraram e acertaram. De acordo com as estatísticas, agosto pode ter 5 mil mortes diárias e um total de 2,2 milhões de casos no Brasil, projetam universidades dos EUA.

 
Por outro lado, em março, o Imperial College de Londres calculou, com base em dados e na curva da doença na China, que o Brasil teria 44 mil mortes mesmo adotando o distanciamento social — o que se confirmou nesta semana. Fosse adotado o isolamento apenas de idosos e os chamados grupos de risco, como proposto pelo presidente Jair Bolsonaro, seriam 529 mil óbitos, calculam os pesquisadores da instituição inglesa, e, sem nenhuma estratégia para conter o vírus (algo que nenhum país seguiu), um total de 1,15 milhão de vítimas.

Quando ainda era ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta afirmou que o Brasil enfrentaria um grande crescimento de casos entre abril e maio e uma desaceleração em junho, o que foi reconhecido pela Organização Mundial da Saúde (OMS). Já o erro de certas previsões se explica por uma espécie de efeito borboleta: pequenas variações logo após a análise podem causar grande impacto em um cálculo.


Assim como previsões do tempo, análises sobre o futuro da epidemia têm maior chance de acerto quando feitas para os próximos dias do que para os meses a seguir. Em outras palavras, é mais fácil prever o que vai ocorrer em um futuro imediato do que a longo prazo, devido, principalmente, às variações decorrentes ao longo do tempo. 
Na prática, uma projeção é uma série de equações matemáticas que usam informações do presente para responder a uma pergunta: se tudo continuar no ritmo de hoje, como será o amanhã? Boas previsões são feitas por professores universitários de instituições reconhecidas e oriundos, para além da matemática, da estatística, da física, da epidemiologia e da economia. Só que nem sempre o “ritmo de hoje” se mantém por muito tempo.

"Certo é que nenhum modelo vai acertar. Imagina dirigir num local com neblina: você acende o farol para enxergar um pouco mais à frente, mas não enxerga exatamente tudo lá longe. Aí você desacelera para tomar cuidado. Modelos são teóricos e servem como orientadores, partem do pressuposto de que, no futuro, nada muda se a situação das últimas semanas continuar como está quando eles são elaborados", explica a estatística Suzi Camey, professora na pós-graduação em Epidemiologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e uma das cientistas que realizam projeções para o Comitê de Análise de Dados do governo do Estado.

O coronavírus ainda traz incertezas científicas: não se sabe ao certo se uma pessoa contaminada adquire imunidade e por quanto tempo isso ocorre — o que pode influenciar no cálculo de pessoas que podem ser contaminadas. No caso do Brasil, há ainda um obstáculo: o baixo número de testes realizados, o que dificulta mensurar a taxa de infecção e entender a real abrangência da epidemia para além das internações hospitalares.

"Quanto menos a gente testa, mais impreciso fica o cálculo da velocidade de propagação da epidemia, porque só se pegará um estrato dos pacientes", afirma Alexandre Zavascki, professor de Infectologia na UFRGS e chefe da Infectologia do Hospital Moinhos de Vento, em Porto Alegre.
 

Quanto à época de pico Brasil, o prazo já foi apontado para maio, junho e, agora, para julho ou até mesmo nos meses seguintes. Esses adiamentos, afirmam os pesquisadores, ocorrem não por erro de cálculo, mas como efeito do distanciamento social, que posterga e achata o pico — e que tem atingido diferentes índices ao longo dos dias.

"Se fizéssemos um lockdown no Brasil hoje, em três semanas o pico termina. Mas, com um modelo que permite a atividade econômica e algum nível de pessoas circulando pelas ruas, o pico vai sendo adiado", acrescenta o infectologista Zavascki.

É projetado para o final de junho o momento mais dramático da pandemia no país.

Pesquisadora da Fiocruz:

"Serão múltiplas ondas de múltiplas epidemias nos Estados. As pessoas ficarão em casa e acabará uma epidemia, depois voltarão a sair e haverá outra.  Já houve um pico em maio e pode ser que, em julho, haja outro, que pode ser maior ou menor do que aquele. No Japão e na China aconteceu isso. O isolamento no Brasil deu certo: foi feito dentro da capacidade de um povo que não teve suporte financeiro, alimentar e de esclarecimento. Sabíamos que, em um país com nossa dimensão, densidade demográfica e situação econômica, a preocupação era não deixar que o coronavírus ultrapassasse a capacidade do sistema de saúde. A quantidade de casos em algumas cidades foi um desastre, como Manaus e Fortaleza, mas em outras se conseguiu administrar", avalia Marilia Sá Carvalho, médica epidemiologista e pesquisadora da Fiocruz, do Rio de Janeiro.


A possibilidade de novos picos não é específica do Brasil: China, Itália, Espanha e Japão enfrentam o fantasma das novas ondas de contágio, com surgimento de casos. A única forma de evitar isso é investir no distanciamento social ou na descoberta da vacina ou de outra forma de cura do vírus.
Enquanto a ciência não traz a chamada bala de prata, o brasileiro terá de isolar-se constantemente para achatar as várias curvas que aparecerão, resume Benilton de Sá Carvalho, professor do Departamento de Estatística da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e doutor em Bioestatística pela Universidade John Hopkins. Ele destaca que o pico é apenas “metade da história”.

"Se o pico do Brasil fosse hoje, ainda haveria ao menos mais 45 mil mortes pela frente. Como a gente vai ter várias ondas, sempre vai ter esse exercício do achatamento. Vai fechar comércio, depois voltar alguma atividade essencial, cancelar o retorno e assim vai. O problema é que, nesse movimento de abre e fecha, vai acentuar esse comportamento de descrença até as pessoas obedecerem cada vez menos as medidas sanitárias. Além disso, vai ser complicado prever o que vai acontecer: com a flexibilização, a movimentação das pessoas vai aumentar, e isso não era esperado para a maioria dos modelos de previsão idealizados",  pondera Carvalho.


OMS alerta que pandemia do coronavírus está piorando no mundo

Se o país fora elogiado por especialistas por implementar o distanciamento cedo e controlar o crescimento nos casos, no entanto, a falta de diretrizes do governo federal, a briga com os governadores e os prefeitos e a desmobilização para o distanciamento, reiterada em diversas manifestações de Bolsonaro e outros integrantes do governo ao longo da pandemia, é uma das causas para o Brasil ter degringolado no combate ao coronavírus, afirmam, em consenso, os especialistas ouvidos para esta reportagem.
"Estávamos com algum grau de controle na epidemia. Em vez de haver uma unidade que garantisse a governança, um ministro foi demitido e o outro se demitiu. E ainda houve as mensagens contraditórias. O Brasil entrou nesse caos porque não houve coesão e interesse em manter uma política que vinha dando certo", afirma a médica epidemiologista Marília, da Fiocruz.  

Créditos: Gaúcha ZH- (Foto: Reprodução)

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