Desde que a ala Covid foi instalada no Hospital Regional do Sudoeste, em Francisco Beltrão, em abril, já são mais de 200 dias funcionando de forma ininterrupta, 24 horas por dia.
O espaço possui 20 leitos (dez de UTI e dez de enfermaria) e é utilizado para atender pacientes graves da doença, mas nas últimas semanas anda cada vez mais sobrecarregado: é que a nova alta no número de casos também fez crescer a ocupação dos leitos para além da sua capacidade. Em alguns dias, chegou a ter fila de espera de pacientes aguardando a central de regulação (transferência para outras cidades).
Leitores do JdeB têm questionado se novos leitos e até hospitais de campanha poderiam ser abertos, mas a ampliação esbarra na dificuldade de conseguir profissionais de saúde. A diretora do HRS, Cíntia Ramos, explica que a ala Covid demanda de dois a três médicos em tempo integral, mais enfermeiros e técnicos, fisioterapeuta, psicóloga e equipe de higienização exclusiva. “Esse é o pessoal que atua diretamente no setor, mas temos que ter quatro equipes assim devido às escalas, somando cerca de 60 profissionais somente na ala Covid”, completa.
Além do pessoal que atua dentro do setor, há ainda quem presta algum tipo de auxílio, o que envolve todo o restante do hospital. Desde a equipe administrativa, de cozinha e motoristas até os funcionários que fazem a manutenção e calibragem dos aparelhos. Outras especialidades também são envolvidas em algum momento no cuidado com os pacientes infectados, como radiologia, odontologia, fonoaudiologia, nutrição...
“A capacidade instalada do hospital, seja em estrutura ou recursos humanos, tem um limite. Por isso que, enquanto não há uma vacina autorizada no Brasil, as pessoas precisam ter responsabilidade e focar nas medidas de precaução. Nós não podemos esperar que as pessoas adoeçam, precisamos ter o senso coletivo e nos prevenir”, argumenta Cíntia, em relação à ideia que defende a abertura de mais leitos para flexibilizar medidas restritivas. Em pouco mais de oito meses, cerca de 500 pacientes passaram pela ala; 82 morreram.
Na UTI, o dia a dia entre perdas e recuperações
A enfermeira Auricelia Portella é a responsável técnica pela UTI da ala Covid no HRS e, apesar da rotina desgastante, não perde o encanto pela profissão. “Pra mim, isso tudo não é pesado porque amo a enfermagem; cada paciente, cada procedimento, o cuidado, tudo isso me encanta”, detalha, emocionada.
Ela atua há poucos meses na ala Covid, um espaço onde se vivem os extremos das emoções: a morte expõe o lado mais cruel do coronavírus, mas, quando um paciente vence a doença, o ambiente se renova de esperança. “Desde um pequeno sinal de melhora já é uma vitória para gente”, conta.
Um dos momentos cruciais do cotidiano da UTI é a entubação, quando se usa a ventilação mecânica pulmonar. É preciso medicar o paciente, acompanhar parâmetros, preparar e testar os equipamentos e ainda ter suporte de outros profissionais e equipamentos caso haja alguma intercorrência.
Outro procedimento delicado é a chamada posição de prona, quando o paciente precisa ser deitado de bruços para aliviar a carga do pulmão. “Precisamos de várias pessoas e um esforço grande, porque são vários aparelhos, tudo precisa ser sincronizado, nós com muita paramentação, cuidando se os EPIs estão bem colocados, mas não importa o tamanho do paciente, se tiver que fazer, nós fizemos”, destaca a enfermeira.
Auricelia já trabalhou durante a pandemia de gripe A, em 2009, mas nada comparável à rotina da ala Covid. Os profissionais do local estão em uma espécie de ilha, conta ela: “Tudo chega até nós, é um espaço isolado e com rígido controle”. Para entrar no local, é necessário ter um traje extra que inclui roupão e mais um jaleco impermeável, faceshield ou óculos, touca, luva e proteção nos pés. A máscara N95 é obrigatória durante todo o plantão e, ao final do expediente, o servidor precisa tomar banho.
Os ambientes são constantemente limpos por uma equipe que faz a lavagem dos espaços e higienização de objetos várias vezes ao dia. As refeições são em uma área isolada e não no refeitório. “Temos um apoio excepcional de todas as pessoas, da direção e dos outros setores para termos esse protocolo bem-sucedido e que nos permitiu ter poucos colegas afastados com suspeita da doença”, completa Auricelia.
“Já fiz plantão em que perdemos quatro pacientes numa noite”
Cristiane Pires começou na enfermagem no momento mais desafiador para os profissionais de saúde. Ela se formou no ano passado e, logo no primeiro emprego, no Hospital Regional, está tendo que lidar com o tratamento de paciente graves de Covid-19. Apesar de realizada na profissão, também tem sido afetada por ela. “O que mais comove é a terminalidade da doença e como muitas pessoas não conseguiram se despedir da família, porque depois da internação não havia mais nenhum tipo de contato”, relata. Nos últimos meses, o HRS passou a permitir uma visita a pacientes graves e a assistente social do hospital também faz chamadas de vídeo com as famílias.
A enfermeira está acumulando plantões de 24 horas e o tempo de descanso reduziu porque é preciso cobrir escala de colegas que estão em licença ou afastados. Somado a isso, o trabalho é cada vez maior, porque tem mais pacientes para atender e, quando um se recupera ou morre, em pouco tempo o leito é ocupado. Em uma das jornadas, ela contou quatro perdas entre o final da tarde e o início da manhã. “Às vezes, ficamos com uma sensação de que poderíamos ter feito mais para salvar uma vida, mas chega num ponto que o corpo não responde a mais nada, nenhum estímulo, medicamento, e é como se estivesse cansado e jogasse a toalha”, compara Cristiane.
Créditos: Jornal de Beltrão - Leandro Czerniaski Foto: Leandro Czerniaski