As crises nos âmbitos político, econômico e social pelas quais o Brasil atravessou (e ainda atravessa) ao longo dos últimos anos tiveram impactos graves na saúde do brasileiro. E uma evidência disso é o aumento da mortalidade por transtornos mentais e comportamentais, com o número de óbitos batendo recorde no Paraná em 2019, último ano com dados disponíveis no Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM), do Ministério da Saúde.
Naquele ano, 912 mortes registradas no estado tiveram como causa situações relacionadas ao uso de álcool e outras drogas, esquizofrenias, transtornos delirantes, transtornos de humor (entre eles a depressão) e transtornos relacionados com o estresse, entre outros. Trata-se de um recorde dentro da série histórica do Ministério da Saúde, iniciada em 1979, superando os dados de 2018, quando 905 pessoas faleceram por conta de situações desse tipo.
Professor adjunto da Universidade Federal do Paraná e ex-diretor de Política sobre Drogas da Prefeitura de Curitiba (cargo que ocupou entre 2015 e 2017), o psiquiatra Marcelo Kimati Dias aponta que, na prática, o que se tem é um cenário de “tempestade perfeita”, no qual uma série de fatores coadunam e resultam, não raro, em um desfecho trágico. Entre esses fatores está a hipermedicalização da população, o agravamento do cenário de crise econômica e social e a redução da capilaridade do sistema de saúde pública no Brasil, especialmente no que diz respeito à atenção básica, primária.
“Existem alguns estudos que falam em movimentos da sociedade, processos pelos quais a sociedade passa que de fato criam maiores situações de vulnerabilidade. Seguramente o fato do brasileiro estar empobrecendo ao longo dos últimos anos, de ter havido uma redução de políticas sociais, aumenta a vulnerabilidade das pessoas”, aponta o especialista.
“Em relação à saúde pública, nos últimos anos tiveram uma redução do dimensionamento e do financiamento. Então há uma população empobrecida, sujeita a cada vez menos políticas sociais e cada vez menos protegida pelo sistema de saúde. São 14 milhões de desempregados hoje, milhões de pessoas entrando na linha de pobreza. Isso tudo é associado a um aumento da prevalência do suicídio”, complementa.
Com a pandemia do novo coronavírus, inclusive, é de se esperar que os números de 2020, que devem ser divulgados nos próximos meses pelo Ministério da Saúde, apontem um novo aumento nas mortes relacionadas aos transtornos mentais e comportamentais.
“No período da pandemia, aumentou a prevalência de uso abusivo de álcool e drogas, fatores muito associados ao risco de suicídio. Além disso, nos últimos seis anos houve um processo de intensa medicalização da população. Hoje é difícil ter uma casa que não tenha alguém que faça uso e guarde substâncias psicotrópicas”, comenta Marcelo Kimati. “Fora isso, há um Estado menos acolhedor, que dá informações contraditórias, não tem clareza, e as pessoas estão cada vez mais vulneráveis. É um cenário de tempestade perfeita.”
Janeiro Branco alerta sobre a saúde mental
Com o intuito de alertar sobre a importância de falar e tratar da saúde mental, o primeiro mês do ano foi batizado de Janeiro Branco, de forma a evidenciar uma campanha que tem como foco a prevenção ao adoecimento emocional da humanidade
De toda forma, com o intuito de alertar sobre a questão, o primeiro mês do ano foi batizado de Janeiro Branco, uma campanha dedicada a colocar os temas da Saúde Mental em evidência, tendo como foco a prevenção ao adoecimento emocional da humanidade.
Segundo os criadores da campanha, a ideia é convidar as pessoas a pensarem sobre suas vidas, o sentido e o seu propósito, a qualidade dos seus relacionamentos e o quanto elas conhecem sobre si mesmas, suas emoções, seus pensamentos e mesmo sobre seus comportamentos. E o mês de janeiro, é claro, é uma oportunidade ímpar para isso, uma vez que é quando se inicia um novo ciclo na vida das pessoas.
“Precisamos falar sobre Saúde Mental e sobre absolutamente tudo o que diz respeito às múltiplas dimensões da Saúde Mental dos indivíduos e das instituições sociais. Precisamos falar sobre Saúde Mental e ensinar os indivíduos a pensarem sobre as condições pessoais, sociais, materiais, culturais, subjetivas e objetivas nas quais vivem, nas quais se relacionam e nas quais reproduzem as suas existências. Todo ser humano precisa aprender a cuidar da sua Saúde Mental e da Saúde Mental das pessoas com quem convive e com quem se relaciona no dia a dia”, escrevem os criadores da Campanha Janeiro Branco, lançada em 2014.
Mortes decorrentes de transtornos mentais e comportamentais
Paraná
2019: 912
2018: 905
2017: 752
2016: 821
2015: 791
Brasil
2019: 14.526
2018: 13.697
2017: 12.858
2016: 12.674
2015: 12.558
Fonte: Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM)
Créditos: Bem Paraná - Rodolfo Luis Kowalski Foto: Marcelo Camargo/ABr