Assim que foi resgatado no sábado passado de um barril, onde era mantido amarrado havia pelo menos um mês, o menino de 11 anos vítima de maus-tratos em Campinas (SP) pediu para comer um pastel no hospital. Foi isso que relatou uma mulher que conversou com exclusividade com o UOL hoje. A moça, de 25 anos, pediu para não ser identificada, mas contou os detalhes da oportunidade que teve em conversar com o garoto.
"É uma criança muito educada, amorosa, pedia 'por favor', agradecia, e se mostrava aliviado por estar em um hospital.
Chegou um momento que ele disse que não queria sair do hospital por nada, conversava com a gente. Um menino bem ativo", disse. A mulher também disse que o garoto fez um pedido até incomum, que gerou muitas gargalhadas — e muita emoção: ele queria um pastel de frango com requeijão. "A equipe médica responsável autorizou que ele comesse o pastel, e fomos comprar. Quando oferecemos para ele, os olhos do menino brilharam de uma forma inacreditável. Mas, inacreditável mesmo foi o que aconteceu na sequência: assim que deu a primeira mordida, ele ofereceu o pastel para quem estava perto dele. Muitos se emocionaram", lembrou, também se emocionando.
Após esse contato, a mulher teve que sair e não conseguiu mais ver o garoto. A resposta rápida ao tratamento surpreendeu a equipe médica, tanto que ele teve alta apenas quatro dias depois de ser internado. Primeiro, ele passou pelo Hospital Ouro Verde, e depois foi transferido para o Hospital Mário Gatti, ambos em Campinas.
Hoje, ele está em um abrigo, ainda com acompanhamento nutricional, e também apoio de psicólogos e médicos. O menino não recebeu as doações que ganhou de centenas de pessoas de todo o país, entregues ontem pela Polícia Militar em um Centro de Assistência Social da cidade do interior paulista.
Andamento da investigação
A Polícia Civil de Campinas já ouviu ao menos seis vizinhos do menino para tentar apurar quanto tempo o ele sofria maus-tratos. A informação foi confirmada por fontes ao UOL. O pai segue preso em uma cadeia da região de Campinas, enquanto madrasta e meia-irmã já estão na Penitenciária de Tremembé (SP), no Vale do Paraíba. Segundo fontes da Polícia Civil, até agora já se sabe que o garoto passou um mês dentro do barril — ele mesmo já havia dito, quando chegou ao hospital, que viu o Réveillon por um buraco na parede. Porém, os investigadores da 1ª Delegacia de Defesa da Mulher acreditam que os maus-tratos acontecem havia, pelo menos, sete anos.
Os vizinhos ouvidos são os mais próximos da casa, e eles contaram que a madrasta sempre impedia qualquer um de entrar na residência. Segundo as testemunhas, a relação familiar sempre foi complicada. Alguns gritos eram ouvidos, de vez em quando, mas ninguém imaginava que o garoto era colocado dentro de um barril metálico.
Ameaças continuam.
Paulo Henrique dos Santos, 36, tio da criança, disse ao UOL que, desde que o caso foi divulgado, no sábado, já recebeu centenas de mensagens. Muitas de ódio, algumas de ajuda. "Muita gente acha que eu sabia das agressões e da tortura e me condenam. Já falei mais de uma vez que não tinha ideia do que se passava na casa, porque não me deixavam entrar. Porém, teve gente que entrou em contato comigo para oferecer apoio e até algumas doações para meu sobrinho", afirmou. Quando vândalos invadiram a residência e reviraram especialmente a cozinha, Santos foi correndo ao local para pedir que a invasão acabasse. Desde então, voltou a receber novas ameaças.
"Aqui no bairro eu sou conhecido e as pessoas sabem da verdade. Mas, quando vou procurar emprego em outra região, as pessoas olham para mim desconfiadas, julgando", lamenta. O tio reiterou, mais uma vez, que não sabia que o garoto era colocado dentro de um barril. "Se eu estivesse errado, se eu tivesse participação, responderia com toda a certeza sem nenhum questionamento. Mas eu sei da minha verdade. Não vou mais me justificar, mas sei que alguém o fará por mim", desabafa.
Créditos: Felipe de Souza Colaboração para o UOL, em Campinas (SP)