Num dia de novembro de 1721, uma pequena bomba com uma mensagem foi jogada pela janela de Cotton Mather, um influente ministro puritano de Boston (EUA). Motivo da ameaça: ele estava promovendo a “inoculação” da varíola, ou seja, a exposição intencional ao vírus da doença ao se introduzir na pele o material infectado. Muitos pastores eram contrários. Alguns argumentavam que a pandemia que circulava pelo Atlântico e devastava a população poderia ser uma punição pelos pecados do povo. Portanto, combatê-la seria desafiar a vontade divina. O debate era intenso. Se fosse você, qual seria sua atitude? A linha mais científica defendida por Mather venceu o obscurantismo. A varíola, doença terrível que matou cerca de 300 milhões de pessoas somente no século 20 e deixou traços até nas múmias dos faraós, finalmente foi erradicada.
Porém, o tema vacina não era tão claro como hoje. Tanto é que, décadas depois, o comitê editorial da revista The Health Reformer (v. 4, no 5, novembro de 1869, p. 85), o primeiro periódico adventista na área de saúde, registrou sua posição: “Como nos opomos à cura de doenças primárias pela produção de doenças causadas por drogas, não podemos ver propriedade em curar ou prevenir doenças contagiosas ou infecciosas inoculando venenos e vírus no sistema.” Essa postura contrastaria com a atitude de Ellen White e com declarações posteriores da igreja em favor da vacina.
Voemos para o século 21. Outra pandemia assusta o mundo. Deveríamos agora usar a vacina? Em teoria, a coisa mais lógica a se fazer é tomar o imunizante contra a Covid-19. Mas nem todos pensam assim. Entre agosto e dezembro de 2020, segundo o DataFolha (clique aqui), o número de brasileiros dispostos a tomar a vacina caiu de 89% para 73%, e o total dos que não pretendem ser vacinados cresceu de 9% para 22%. Com a chegada da vacina e a vibração dos vacinados, os números mudaram de novo, conforme levantamento do instituto divulgado em 23 de janeiro (clique aqui): 17% não pretendem se vacinar e 4% não sabem. Mesmo num país com tradição em vacinação e adesão aos imunizantes como o Brasil, muitos se encaixam no perfil do movimento antivacina, que tem um viés filosófico e religioso.
Sem dúvida, a vacinação é fundamental. “As vacinas aumentaram em 30 anos a expectativa de vida da população nos últimos dois séculos”, afirmou Guido Levi, diretor da SBIm (Sociedade Brasileira de Imunizações), em uma matéria do VivaBem. As vantagens desses imunizantes parecem superar em muito os riscos de possíveis efeitos colaterais.
Entretanto, considerando que algumas vacinas contra a Covid-19 utilizam células de fetos abortados, o uso delas seria moralmente correto? Conforme ressaltou um documento publicado pela revista Adventist Record, as possíveis objeções à vacina devem ser contrabalançadas com outros aspectos. Primeiro, as células não foram obtidas com esse propósito específico e, no fim do processo de fabricação, elas não fazem parte da vacina em si. Depois, essas células vêm de culturas artificiais. Além disso, a doação do tecido celular pode resultar em grande bem para milhões de pessoas em risco. Outro ponto é que as vacinas de RNA mensageiro não alteram nosso DNA. Por fim, para potencializar o efeito coletivo, 70 a 80% da população precisam adquirir a imunidade, o que torna a vacinação um ato de responsabilidade social e amor ao próximo.
Assim, se você está entre os que têm sido influenciados pelo negacionismo, leia a matéria de capa e tire suas conclusões. Até prova em contrário, é imensuravelmente melhor ser picado pela agulha do que infectado pelo vírus.
Créditos: MARCOS DE BENEDICTO - Revista Adventista Foto: Adobe Stock