Com o agravamento de alguns casos de Covid-19, os médicos têm buscado soluções em equipamentos que existem para outras funções, mas que podem ser eficientes quando alternativas se esgotam. Em Curitiba, o Hospital Marcelino Champagnat tem usado a ECMO, uma máquina de oxigenação por membrana extracorpórea, para ajudar a salvar pacientes mais graves.
Enquanto a ECMO oxigena o sangue, o pulmão pode "relaxar e descansar" para voltar a trabalhar mais tarde.
Desde o começo da pandemia, Curitiba tem 172.094 casos confirmados e 3.780 mortes pela Covid-19, segundo último boletim divulgado pela Secretaria Municipal de Saúde (SMS), na segunda-feira (29). São 12.994 casos ativos na cidade, de pessoas com potencial de transmissão do vírus.
O professor de química Robert Gessner Junior, 31 anos, ficou internado por mais de um mês com a Covid-19. Com a situação agravando, passou pela máquina e foi o equipamento que lhe deu a possibilidade de se recuperar mais rápido.
“Meu quadro só piorava e, mesmo com a intubação, os médicos não viam boas respostas. A máquina veio para me salvar. Estou aqui graças a ela e a equipe tão dedicada, que busca até o último recurso. A ECMO me permitiu estar aqui contando minha história”, disse.
O equipamento pode ser visto como um pulmão ou um coração artificial. Para muitos médicos, é considerado como último recurso para salvar um paciente, como explica o médico intensivista e coordenador da Unidade de Terapia Intensiva (UTI) do Hospital Marcelino Champagnat, Jarbas da Silva Motta Junior.
“Quando esgotamos todas as alternativas de tratamento, principalmente de fisioterapia e ventilação mecânica, e não temos resposta, a ECMO é nossa última opção”.
Conforme o médico, a ECMO exige muito do corpo e não é indicada para todos os pacientes, por isso tem sido usada com muito cuidado pelo hospital. Um protocolo internacional determina as condições dos pacientes que podem ser submetidos ao exame.
"A máquina é usada em casos de pacientes que não respondem mesmo às medidas convencionais. Aí optamos pela ECMO, para não piorar o pulmão da pessoa. Apesar disso, tem uma alta mortalidade se for usada em pacientes que não poderiam, pois não é qualquer pessoa que se beneficia do aparelho. Também precisamos ter profissionais bem treinados e pode acabar tendo sangramentos. Precisa de cuidado redobrado”.
No Brasil, a ECMO foi muito usada para ajudar a recuperação das vítimas do incêndio na boate Kiss, em 2013, quando 242 pessoas morreram e 680 ficaram feridas.
"No caso dos pacientes que estavam na boate, a fumaça provocou a lesão pulmonar e foi preciso usar a máquina para deixar o pulmão destas pessoas descansando. A ECMO foi importante para que estas pessoas se recuperassem", contou o médico Jarbas da Silva Motta Junior.
O hospital de Curitiba começou a usar o equipamento em 2015. Com a situação da pandemia se agravando, os médicos perceberam que poderiam aproveitar a máquina para ajudar na oxigenação total do sangue de pacientes mais graves.
“Basicamente ela funciona como um aparelho de hemodiálise. Ela pega o sangue do paciente, oxigena e devolve para corpo. Enquanto isso, o pulmão da pessoa, que está comprometido, relaxa e tem tempo de melhorar para poder trabalhar sozinho após alguns dias”, explicou o médico.
Em média, os pacientes ficam de sete a dez dias na ECMO. Neste tempo, a atividade do pulmão é resguardada, para evitar que o órgão acabe lesionando.
“A máquina ajuda bastante, porque estes pacientes precisam de parâmetros altos de respiração, com oxigenação adequada, e às vezes a intubação não é suficiente. A ECMO evita a fibrose do pulmão, faz com que ele relaxe e descanse, enquanto ela faz o trabalho”, detalhou Jarbas da Silva Motta Junior.
Em um ano de pandemia, 11 pacientes precisaram do procedimento no hospital de Curitiba. Antes, a média de procedimentos realizados era de um a dois pacientes por ano.
“Destes pacientes todos que usaram a máquina, conseguimos reduzir em 50% a mortalidade. Isso é muito importante, mas é justamente como um recurso extremo, porque se não fizéssemos nada, estas pessoas morreriam”, considerou o médico.
De acordo com a Organização para Suporte Vital Extracorpóreo (Elso), que é quem regulamenta o uso e as diretrizes para a ECMO no mundo, antes da pandemia, a demanda pelo procedimento era prioritariamente para problemas cardíacos.
“A pandemia fez com que o número de pacientes submetidos à ECMO no país chegasse a cerca de 800. Pelas nossas estimativas, 85% das pessoas tinham problemas no pulmão provocados pela Covid-19”, disse o cirurgião cardíaco e diretor da Elso de Campinas, Gustavo Calado.
No caso de Robert Gessner Junior, a ECMO foi sugerida pelos médicos como última tentativa, para evitar a morte.
“Fui internado no dia 21 de dezembro, intubado no dia 23 e depois fiquei 7 dias na máquina e acabei tendo hemorragia, então precisaram me tirar com emergência e demorei mais de um dia para ter reação. Depois disso, comecei a melhorar. Acordei no dia 8 de janeiro”.
Com o professor de química, ficaram as duas cicatrizes deixadas pelo equipamento, uma no pescoço e outra na perna.
“Ainda assim, qualquer cicatriz não é nada ao saber que eu estou vivo graças à todo o esforço que foi feito pelos profissionais com o auxílio da ECMO”, disse.
Robert disse que, quando olha para trás, percebe que a ficha ainda não caiu.
“Por mais que eu leia, descubra um pouco mais sobre a ECMO e que de fato é o último recurso para que os pacientes sobrevivam, fico muito feliz de poder estar aqui, vivo. Das cicatrizes não reclamo nada".
Em casa desde o dia 26 de janeiro, o professor de química precisa fazer fisioterapia e tem se esforçado para voltar a ter a vida de antes. Mesmo assim, deixa o alerta.
"Tenho dificuldade motora por causa da doença, minha mão esquerda não funciona, não sei se voltarei 100%, mas não reclamo, porque estou vivo e estou bem. Quero me recuperar para voltar a dar aula, que é o que eu mais amo. Mesmo assim levo comigo a missão de pedir que as pessoas se cuidem e acreditem no vírus”.
Créditos: Por Lucas Sarzi, G1 PR — Curitiba