A professora Noadias Castro Braz de Novaes, 28, pedala debaixo do sol munida com materiais escolares, máscara, luvas e álcool 70%. Ela percorre ruelas de areia em meio a cactos e arbustos no sertão de Itapipoca, um município no interior do Ceará. Sai de casa antes das 7h a caminho do lar de estudantes. Assim que o Ceará fechou os colégios no início da pandemia do covid-19, em março do ano passado, Noadias colocou a mão na cabeça e pensou: "E agora? Como eu vou ensinar esses meninos?".
Ela é professora na escola municipal Alonso Pinto de Castro, em um distrito rural chamado Betânia de Cruxati.
O caminho encontrado pela professora foi criou, por conta própria, o projeto Atendimento Educacional Especializado na Pandemia, em que dá aula na frente da casa das famílias. "Durante a pandemia, muitos alunos deixam de estudar e não fazem as tarefas. Mas, com o projeto, os alunos estão estudando", conta. Noadias dá aulas para estudantes entre 7 e 14 anos com algum tipo de deficiência intelectual. O projeto começou com 10 alunos matriculados e hoje atende 32 crianças - irmãos de alunos e até vizinhos, com ou sem deficiência. "São ações pequenas que a gente faz para ajudar", diz. A maioria mora em regiões distantes e não tem acesso à internet em casa.
Os alunos são filhos de pequenos agricultores e fazem parte de famílias numerosas com até 7 irmãos. Alguns pais só sabem escrever o próprio nome, e também participem das aulas enquanto os seus filhos aprendem no portão de casa. "Eu gosto de incluir os pais para cantar uma música e acompanhar as atividades dos filhos. Assim eles vão criando o hábito de estudos dentro de casa."
Faça chuva ou sol, a professora ensina as crianças na calçada em aulas que incluem jogos e atividades para desenvolver a parte cognitiva e motora dos estudantes. Toda conquista é um avanço Francisco Evair Monteiro do Lago, 15, começou a ter aulas com Noadias durante a pandemia. Durante as aulas, Noadias percebeu que Evair não conseguia segurar o lápis. Mas, aos poucos, o aluno começou a formar as primeiras letras no papel.
A mãe de Evair, Rita Vangeci Monteiro, está feliz com o desenvolvimento do filho. "Evair aprendeu a escrever o próprio nome e até a ler as primeiras palavras com a ajuda da professora." Ele não estuda sozinho. Os seus quatro irmãos também participam das aulas. "Todos os meus filhos estão aprendendo muito bem", comemora Rita. Noadias também comemora: "Quem acompanha o desenvolvimento de um aluno com deficiência sabe que as conquistas de Evair são um grande avanço". O ensino como vocação Antes mesmo da conversa com Noadias começar, a professora pediu licença para tocar uma música do pernambucano Luiz Gonzaga. Com o violão nos braços e um chapéu de couro, tradicionalmente utilizado por vaqueiros nordestinos, ela cantava: "Mas ninguém pode dizer/ Que me viu triste a chorar/ Saudade, o meu remédio é cantaaar". Noadias leva essa motivação para os seus estudantes, e encara a educação como uma missão. Filha de uma professora aposentada, considera-se uma educadora desde os 13 anos — época em que ajudava a mãe na sala de aula. Gosta tanto de estudar que acumula títulos. É formada em Química, Biologia e Pedagogia, mas sabe que a educação para alunos com deficiência é a sua vocação.
" A escola é uma extensão da sociedade. No mundo lá fora existem pessoas diferentes que aprendem de diversas formas e merecem respeito. Independente dos desafios de cada um, sei que os meus alunos podem melhorar as suas vidas através da educação. Sou um instrumento para isso acontecer."
Créditos: Aline Takashima Colaboração para Ecoa