O que você faria se entregasse seu filho à mãe dele, após um fim de semana tranquilo e divertido, e depois recebesse a notícia de que ele está morto com 23 lesões no corpo? É com essa sentença que vive o engenheiro Leniel Borel, de 37 anos, pai do menino Henry Borel, cuja morte completa um ano nesta terça-feira (8).
Desde o dia 8 de março de 2021, Leniel admite que morreu um pouco também, e que, inclusive, pensou em tirar a própria vida. Mas a vontade de buscar a verdade sobre o que aconteceu com o filho no apartamento do ex-vereador Jairo Souza Santos, o Dr. Jairinho, e de Monique Medeiros — acusados da morte do menino — e de vê-los condenados o faz querer ficar vivo e lutar por justiça.
“Já pensei em suicídio. Não é fácil. A vida não tem mais graça e sinto muita falta do meu filho. Mas graças a Deus, Ele tem colocado as pessoas certas na minha vida, minha luta por justiça me motiva todos os dias”, disse Leniel.
”Se eu der cabo da minha vida, não vou ver o meu filho novamente. Isso me tira esses pensamentos.” Leniel diz que se consulta com um psicólogo duas vezes por semana e que vai ao psiquiatra, que lhe prescreve três tipos de remédios controlados para seguir tocando a vida.
Leniel Borel recebeu o g1 em seu apartamento no Rio, onde mantém o quartinho de Henry intacto, e falou do luto, da luta por justiça, da vontade de montar uma ONG com o nome do filho, e dos percalços em tentar provar a culpa de um dos membros de uma das famílias políticas mais influentes do Rio de Janeiro.
“Não tenho medo de nada porque a coisa mais importante que eu tinha, que era o Henry, já me tiraram. Hoje eu me sinto amputado. Então, agora, você pode me dar um tiro, me mandar para a guerra. Nada disso tem tanto peso como perder um filho. A pior coisa que podia acontecer, já aconteceu, que é perder um filho”, diz.
Qual a sensação nesse primeiro ano de morte do Henry?
De luta. Eu vivo o luto no tumulto. Todo dia lutando com uma novidade, com fato de, do outro lado ter uma mãe que não foi mãe, que tenta omitir o que houve naquela noite. De descobrir o Jairo, um psicopata brasileiro, e lutando para que a justiça seja feita pelo meu filho. É um ano de muita saudade, mas sei que tenho que levantar da cama todo dia para lutar por justiça por ele.
Quando você transformou o luto em luta?
Desde o momento que eu chego ao hospital e vejo os médicos tentando ressuscitar o meu filho, e eu faço perguntas para o Jairo e a Monique, e vejo que tudo aquilo estava muito estranho. Ali me acendeu uma luz amarela.
É muito difícil para mim até hoje saber que entreguei o meu filho bem no dia 7 de março de 2021, e depois, às 4h30, ver meu filho morto, com os médicos tentando ressuscitá-lo. Pergunto o que houve, e elas falam: 'Pai, seu filho já chegou aqui morto'.
No IML, pergunto para um policial o que significava o laudo do Henry, e a referência que ele me dá é que não era natural, que era como se tivessem jogado o Henry do terceiro andar.
Que horas você desabou após a morte?
Fiquei o dia 8 de março todo correndo de um lado para o outro: hospital, IML, delegacia. Acho que só fui dormir uns três dias depois.
Até hoje tenho dificuldade para dormir e tomo remédio para isso. Mas prometi para o Henry: “Filho, o papai vai descobrir o que aconteceu”. É por isso que tenho que ir em frente, buscar justiça, e que ela seja exemplar. Para que qualquer pessoa pense duas vezes antes de agredir uma criança.
Quem era o Leniel antes do dia 8 de março de 2021?
Sempre fui o pai do Henry, um cara que trabalhava muito, que vivia para que não faltasse nada para a família. Eu olhava para frente e projetava o Henry como médico, advogado ou engenheiro. Hoje sou uma outra pessoa. Não consigo mais fazer planos a longo prazo.
Quando o Henry morreu, achava que não teria mais um dia de vida. Depois, veio um dia, outro dia, mais uma semana. Sabia que teria que levantar da cama e correr atrás.
No início, muitas vezes, ficava dopado por remédios, mas tenho vivido um dia após o outro, e sei que em breve a gente vai ver Jairo e Monique condenados na proporção da brutalidade do assassinato do meu filho.
Como é sobreviver após perder um filho da forma como você perdeu o Henry?
Só estou de pé graças a Deus e à oração do Brasil inteiro ou do mundo inteiro, já que o caso do meu filho foi parar mais de 40 países e tocou as pessoas.
O quarto do Henry virou uma espécie de altar. Todo dia, acordo e faço minhas orações aqui, ajoelho e choro. Peço a Deus que esteja na frente dessa batalha.
Também faço acompanhamento psicológico duas vezes por semana, duas vezes por mês vou ao psiquiatra e tenho o apoio da minha família. Semanalmente falo com o promotor do caso, com os advogados, fico de olho nas movimentações do processo, em tudo o que sai – o que me abala muito. Tomo três remédios controlados, um, inclusive, dormir. É assim que eu vivo.
Você já pensou em suicídio o longo desse processo todo?
Sim. Por isso faço tratamento psiquiátrico também. Não é fácil. A vida não tem mais graça, e sinto muita falta do meu filho. Graças a Deus, Ele tem colocado as pessoas certas na minha vida, minha luta por justiça me motiva todos os dias.
Se eu der cabo da minha vida, não vou ver o meu filho novamente. Isso me tira esses pensamentos. Além disso, tenho certeza de que eu vou encontrar meu filho um dia.
Tudo o que estou fazendo, em buscar justiça, de me tornar uma pessoa melhor e ajudar outras crianças é para encontrar meu filho. Eu sei que tem um propósito nisso tudo. Acredito que seja o de salvar outras crianças. Estou lutando pela Lei Henry Borel, em que qualquer agressor de criança possa ser responsabilizado. Também penso em montar um ONG para ajudar crianças de violência.
Você parou de trabalhar?
Não, trabalho de casa e, o resto do tempo, tento acompanhar tudo o que acontece no caso do Henry para municiar os advogados e o promotor. Desenvolvi muitos medos e saio muito pouco de casa. Fico 90% do meu aqui: só vou à igreja e às vezes à casa dos familiares.
Como eram os seus dias com o Henry?
Quando comecei a pegar o Henry nos fins de semana, eu comecei a fazer tudo com ele. Levava para piscina, para brincar com outras crianças. Brincava, comprava o que ele queria, jogava o que ele queria jogar.
Aquele fim de semana teria sido maravilhoso se não fosse o final trágico. Fomos a uma festa infantil no sábado, fomos ao shopping comprar presente para o aniversariante, ele comprou presente para ele também. Depois, foi brincar com os filhos do vizinho. Brincou na piscina com os amiguinhos.
Então várias pessoas viram o Henry bem naquele fim de semana?
Perfeitamente bem. No aniversário, meus amigos até caçoavam de mim porque eu não tirava o olho do Henry. Dava colo, pegava brigadeiro. Todo mundo viu o Henry bem.
No domingo, fomos almoçar em um restaurante que ele gostava, que tinha arroz, feijão e purê — que era a comida preferida dele. Depois, fomos a um shopping, brincamos por mais de duas horas.
Voltamos para a casa umas cinco da tarde, a Monique mandando mensagem direto para saber que horas eu iria devolver o Henry. Vim para casa, arrumei as coisinhas dele, e uma amiga minha foi comigo levar o Henry. Ela viu a reação dele sem querer voltar para casa da mãe, vomitando.
Comentei com ela, e ela falou que com os filhos dela eram assim, se escondiam para não ir com o pai. Isso me deu uma acalmada. Hoje sei que o Henry já estava sendo agredido naquele apartamento por aqueles dois.
Como foi descobrir o que pode ter acontecido com o Henry?
Criei uma rede social no dia que enterrei o Henry para eternizar o meu filho. Naquela confusão toda, eu fui o primeiro ser investigado. A polícia só começou a investigar a Monique o Jairo, uns 10 dias depois.
Eu já tinha pensado de tudo: que tinha sido Monique, o Jairo, os dois. E isso me angustiava.
Foi quando a mãe de uma das crianças agredidas me procurou via rede social e contou que o Jairinho fazia a mesma coisa coma filha dela e disse: “Se eu tivesse denunciado esse psicopata há seis anos, o Henry estaria vivo”. Ali a minha ficha caiu.
Até então eu sabia do Jairo médico, vereador, não uma pessoa desequilibrada psicologicamente que tem prazer em torturar crianças e mulheres.
Depois, outra senhora falou que tinha trabalhado para a mãe de uma criança que também tinha sido agredida. Que o menino teve a bacia deslocada.
A diferença de todos esses casos para o do meu filho, é que em algum momento os avós percebiam que tinha alguma coisa errada e tiravam a criança do convívio do Jairo. No caso do Henry, não. Eu perguntava a todo momento se tinha alguma coisa errada e me era negado, e não tiraram o meu filho da convivência daquele psicopata.
Já sentiu medo em sua luta por justiça por Henry pelo fato do Jairo ser de uma família influente?
Não tenho medo de nada porque a coisa mais importante que eu tinha, que era o Henry, já me tiraram. Hoje eu me sinto amputado. Então, agora, você pode me dar um tiro, me mandar para a guerra. Nada disso tem tanto peso como perder o filho.
A pior coisa que podia acontecer, já aconteceu.
Além disso, sabia que iria lidar com um sistema complicado, que envolve política e dinheiro. Nunca quis vingança, mas saber o que aconteceu com o meu filho.
Você se habilitou como assistente de acusação da promotoria. Como equilibra o pai que sofre com o que tem que ler laudos, depoimentos?
Não leio tudo e contratei advogados para isso. Peço sempre esse filtro.
O depoimento da Monique, por exemplo, não consegui ver todo. A imagem do elevador, que são eles levando para Henry para o hospital, não consigo ver também. Também não consegui ver os laudos até hoje. Contratei um perito. Ele lê tudo e municia os advogados com informações.
Mas com relação às notícias, não tem jeito. Tenho um alerta no celular para Henry Borel. A primeira coisa que faço quando acordo é clicar para saber se tem novidade. Assim como ler o processo, porque muita coisa aconteceu: mudança de advogados da outra parte, estratégias. Já estão até dando o nome de investigação defensiva, mas na verdade é coação de testemunha e implementação de provas.
Você foi investigado e teve a vida devassada ao longo do processo. Como foi lidar com essa exposição?
Dói demais. Ainda mais vindo de pessoas que não participaram da minha vida. Elas pressupõem algo julgando um pai que está pedindo justiça.
Ao longo do caminho, encontrei outras vítimas de violência, e percebi que é cíclico, e elas também sofreram a mesma coisa. Falo com a Ana Carolina (mãe da Isabella Nardoni) e foi a mesma coisa. Ela também foi criticada como mãe. Mas minha luta por Justiça transcende qualquer coisa. Nada vai me desmotivar. Sei o pai que eu fui e o pai que eu sou.
Ao longo do processo você se arrependeu por alguma coisa?
De não ter sumido com o Henry quando a Monique começou a fazer alienação parental comigo, me afastar das atividades do meu filho.
Ela chegou a dizer que eu não veria mais meu filho, só com advogados. Chegou a ligar para o Jairo na minha frente, dizendo que estava comigo na frente dela. E falei que não tinha nada para falar com ele, só com ela.
Chegou ao ponto do Henry me perguntar se o papai tinha ficado pobrinho. Eles tentavam me inferiorizar, se ofereciam para pagar coisas para mim. Estavam tentando mostrar para o meu filho que era muito melhor lá com eles do que comigo.
Como é manter o quarto do Henry intacto? Traz conforto?
Esse final de semana, minha família tentou me convencer a doar as coisinhas dele. Mas não consigo. Aqui ainda tem o cheirinho dele, cada coisinha tem um significado, um momento.
Não deixo de ajudar ninguém. Eu compro roupa, brinquedo e dou, mas as do meu filho não consigo.
Uma das coisas que tenho vontade é montar uma ONG, a ONG Henry Borel, e, nesse sentido, tiraria alguma coisa daqui para colocar lá e eternizar meu filho. Tudo o que eu faço é para lembrar com alegria do meu filho.
Créditos: Por Eliane Santos e Henrique Coelho, g1 Rio